Café: muito além da cafeína
Estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro no âmbito do Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café, explora aspectos relacionados à capacidade antioxidante do café
Quando se fala em café muitos ainda relacionam a bebida somente à presença da popular cafeína. O que ainda não é de conhecimento geral é que os grãos de café possuem apenas de 1% a 2,5 % de cafeína e diversas outras substâncias, algumas delas em maior quantidade. Entre elas, minerais, vitamina B3, polissacarídeos, gorduras, aminoácidos e antioxidantes, como os ácidos clorogênicos, substâncias naturais responsáveis por grande parte da atividade antioxidante do café.
Segundo a professora e pesquisadora Adriana Farah, do Núcleo de Pesquisa em Café Professor Luiz Carlos Trugo - Nupecafé, do Instituto de Nutrição da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, os ácidos clorogênicos pertencem à mesma classe dos antioxidantes do vinho e são comumente encontrados nos grãos verdes de café na proporção de 5% a 9%, dependendo da espécie, cerca de cinco a três vezes mais que a cafeína. Os antioxidantes são considerados aliados da saúde e da qualidade de vida por neutralizarem a ação dos radicais livres no organismo, prevenindo uma série de doenças. Um estudo realizado pela professora Adriana, com financiamento do Consórcio Pesquisa Café, cujo programa de pesquisa é coordenado pela Embrapa Café, mostrou que o teor de ácidos clorogênicos na bebida, e, consequentemente, sua capacidade antioxidante, depende de uma série de fatores, tais como genética, processamento pós-colheita, método e grau de torrefação, tamanho das partículas do café moído e do método de preparo da bebida. A pesquisadora tem resultados promissores alcançados sobre a importância desses compostos na saúde humana e mostra que, mesmo após a perda resultante do processo de torrefação, os teores restantes são consideráveis e fazem com que o café seja um dos produtos responsáveis pela capacidade antioxidante na dieta do brasileiro.
Confira mais detalhes sobre a pesquisa e como os antioxidantes presentes no café interferem beneficamente no organismo humano em entrevista realizada pela Embrapa Café com a professora e pesquisadora da UFRJ. Adriana Farah é graduada em Nutrição pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutora em Ciências de Alimentos pelo Instituto de Química da mesma Universidade, tendo realizado parte de sua tese no Institute for Coffee Studies at Vanderbilt University Medical Center (EUA). Foi pesquisadora no Neuroscience Laboratory e no Clinical Research Center do Massachusetts Institute of Technology (EUA). Atualmente é docente dos programas de pós-graduação em Ciência de Alimentos do Instituto de Química e de Nutrição da UFRJ. É também membro do comitê científico da Association for the Science and Information on Coffee (ASIC), sediada em Paris, e bolsista de produtividade do CNPQ.
Embrapa Café: A que se deve a capacidade antioxidante do café?
Adriana Farah: Nos últimos anos, inúmeros compostos fenólicos, ou polifenóis, que têm ação antioxidante, têm sido descobertos no café, a maioria, ácidos clorogênicos e derivados. O café é uma das maiores fontes desses compostos na natureza, e mesmo que sejam sensíveis ao calor, uma grande parte desses compostos permanece nos grãos, principalmente até o ponto de torra média a média-escura. A torra escura deve ser evitada. Embora os cafés de torra mais clara sejam os que conservam maior teor de antioxidantes, a torra clara deve também ser evitada devido à formação de acrilamida (potencialmente prejudicial ao organismo) no início da torrefação, seguida de degradação à medida que o processo progride. Além de os cafés de torra média a média-escura manterem teores consideráveis de ácidos clorogênicos, quando comparados a outros alimentos da dieta, estes também possuem outros compostos bioativos, como as lactonas dos ácidos clorogênicos ou quinídeos, derivados do piridínio, polissacarídeos e o ácido nicotínico (vitamina B3), além de outros compostos antioxidantes incorporados à melanoidina, responsável pela cor marrom do café torrado.
Embrapa Café: E como os antioxidantes influenciam na melhoria da saúde e qualidade de vida?
Adriana Farah: Os antioxidantes podem atuar complexando-se com radicais livres e interrompendo suas reações em cadeia, prevenindo assim, danos ao DNA das células e o envelhecimento precoce. Eles também podem impedir a oxidação das LDL (lipoproteínas de baixa densidade), sendo capazes de diminuir a incidência de doenças coronarianas e, indiretamente, alguns tipos de infarto, e de ajudar a prevenir o estabelecimento de doenças degenerativas, entre elas a aterosclerose, doença de Alzheimer e diabetes do tipo II (especialmente o café descafeinado). Em estudos realizados em laboratório, o café foi também relacionado à prevenção do câncer, já que os ácidos clorogênicos foram capazes de modificar vias metabólicas de compostos cancerígenos, inativando-os. Entre outros efeitos atribuídos a esses compostos do café (alguns observados pelo nosso grupo) estão os efeitos estimulante da digestão, hepatoprotetor (na prevenção da cirrose e câncer de fígado), imunoestimulante, anti-obesidade, anti-hipertensivo, antiviral e antibacteriano (inclusive em relação a bactérias causadoras da cárie e doenças periodontais). No caso dos ácidos clorogênicos do café, é interessante o fato de, com exceção da prevenção da diabetes do tipo II, o café integral parece ser mais efetivo do que o café descafeinado, algumas vezes não devido à ação da cafeína em si, mas de seus metabólitos no organismo.
Embrapa Café: Poderia explicar melhor o que são radicais livres, por que devem ser combatidos também com o consumo de café?
Adriana Farah: Os radicais livres são espécies químicas com um ou mais elétrons desemparelhados, altamente reativos e capazes de oxidar substratos biológicos, podendo levar à morte celular, e, como já mencionado, envelhecimento, danos ao DNA das células, e estabelecimento de doenças crônico-degenerativas como a aterosclerose, doenças coronarianas, diabetes tipo II, doença de Alzheimer e câncer. Essas espécies reativas são naturalmente produzidas no metabolismo normal do organismo e são “combatidas” pelos próprios antioxidantes produzidos pelo organismo, bem como aqueles ingeridos na alimentação. As doenças degenerativas acontecem quando há desequilíbrio entre os radicais livres e os agentes antioxidantes, instalando-se o estresse oxidativo. O consumo de café a longo prazo parece exercer papel na prevenção de doenças crônico-degenerativas, é o que vários estudos realizados em diferentes partes do mundo apontam. Além disso, em um estudo americano, o consumo de café a longo prazo foi relacionado com maior longevidade devido à ação dos seus antioxidantes no organismo.
Embrapa Café: Por que o café, na sua opinião, é uma das fontes mais importantes de antioxidantes na alimentação de grande parte dos brasileiros?
Adriana Farah: Em pesquisa desenvolvida no nosso laboratório, foi constatado que, devido ao seu alto teor de ácidos clorogênicos, o café apresenta maior capacidade antioxidante entre os alimentos mais consumidos (de acordo com o IBGE) no Brasil, seguido pelo chá-mate, também rico em clorogênicos, vinho tinto e açaí. Somado a isso seu alto consumo pela população brasileira, o café foi, de longe, destacado como o mais importante contribuinte para a capacidade antioxidante total da dieta do brasileiro, independente da renda e da grande região do Brasil, destacando a bebida como alimento importante. Esse fato tem sido observado também em outros países, como EUA, Japão, Itália, Noruega, entre outros.
Embrapa Café: Qual é o estágio atual da pesquisa e seus desdobramentos?
Adriana Farah: A atividade antioxidante dos ácidos clorogênicos já está consolidada e sabemos agora que é semelhante à ação antioxidante da vitamina C. Em estudo recente, observamos que, embora esses compostos sejam degradados durante a torrefação, parte deles é incorporada às melanoidinas formadas durante o processo e que, por essa razão, essas substâncias também possuem atividade antioxidante. Isso faz com que essa atividade perdure por mais tempo no café durante a torrefação, apesar da diminuição do teor de ácidos clorogênicos.
É conhecido que os grãos de Coffea canephora (café conilon) contêm maiores teores de ácidos clorogênicos em relação aos grãos de Coffea arabica. Observamos que o teor desses compostos varia consideravelmente na mesma espécie e variedade, em diferentes safras e que, por isso, não se pode dizer que uma variedade é melhor fonte de ácidos clorogênicos do que outra, a menos que várias safras sejam acompanhadas, e, até mesmo, de origens diferentes, pois há uma série de fatores extrínsecos que podem influir nos teores de ácidos clorogênicos da planta.
Em relação ao método de beneficiamento primário utilizado, cafés processados por via úmida parecem apresentar teores relativamente mais elevados de ácidos clorogênicos em relação ao método semi-úmido ou natural utilizado mais comumente no Brasil. É provável, no entanto, que esses maiores teores sejam na verdade causados pela perda de outros compostos mais hidrossolúveis no processo.
A velocidade com a qual o café é torrado também influi nos teores de ácidos clorogênicos. Quanto mais rapidamente o café é torrado, maior a conservação desses compostos. No entanto, temos que manter uma perspectiva global e, considerando outras substâncias, inclusive a degradação de acrilamida, que é desejada, e o desenvolvimento de aroma, velocidades médias, com temperaturas médias, são preferíveis.
Também observamos que as granulometrias mais finas rendem teores mais elevados de ácidos clorogênicos e que os métodos de preparo na cafeteira expresso, cafeteira italiana e cafeteira elétrica extraem mais ácidos clorogênicos do que os métodos manuais de preparo da bebida. No entanto, mais uma vez, não podemos esquecer que a granulometria influencia fortemente o resultado na xícara e deve ser apropriada para cada tipo de café, torra e método de preparo.
Outro aspecto que investigamos entre os que envolvem os ácidos clorogênicos é o seu metabolismo no organismo humano. Há cerca de dez anos, pensava-se que esses compostos não eram absorvidos em humanos e que, portanto, sua importância na bebida era reduzida. Por meio de pesquisa financiada pelo Consórcio Pesquisa Café, nosso grupo foi o primeiro a identificar os principais compostos da classe dos ácidos clorogênicos no plasma e na urina de humanos. A partir daí, temos estudado seu metabolismo e sua interação com outros componentes de alimentos e medicamentos. Observamos que existe grande variação entre as pessoas no que diz respeito ao metabolismo desses compostos e isso está relacionado com uma série de fatores que incluem hábitos alimentares e genética. Sabemos agora que a flora bacteriana exerce um papel importante na transformação dos compostos que não são absorvidos na parte superior do trato digestório e esses metabólitos da flora ainda podem ser parcialmente absorvidos pelo organismo, na forma de metabólitos bioativos. A presença de compostos antioxidantes no intestino grosso também pode reduzir a incidência de câncer de cólon.
Embrapa Café: Nos estudos, há parcerias com escolas e instituições? E o papel Consórcio Pesquisa Café nesse projeto?
Adriana Farah: Nosso laboratório realiza projetos colaborativos com universidades internacionais nos EUA, Canadá, Portugal, Espanha, Itália, Noruega, Turquia e com universidades e instituições de pesquisa de outros estados do Brasil. A participação do Consórcio tem sido de grande importância, não só apoiando os projetos relacionados com os compostos antioxidantes, mas também projetos envolvendo qualidade da bebida e desenvolvimento de novos produtos à base de café.
Saiba mais sobre o Consórcio Pesquisa Café, a Embrapa Café e a Universidade Federal do Rio de Janeiro:
www.consorciopesquisacafe.com.br
Gerência de Transferência de Tecnologia da Embrapa Café
Texto: Carolina Costa - MTb 7433/DF e Flávia Bessa - MTb 4469/DF
Contatos: 61 3448-1927 / Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.