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Sistema com inteligência artificial analisa a qualidade do café em minutos

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articleA cadeia brasileira do café deve incorporar nos próximos anos um sistema inteligente e inédito para agilizar e melhorar o processo de certificação da bebida. A nova tecnologia emprega técnicas avançadas de computação para analisar e classificar, automaticamente e, em minutos, a qualidade global do café. A análise é realizada sem a necessidade de preparação da bebida, pois a tecnologia examina imagens do pó. Hoje, a avaliação de qualidade mais confiável é a análise sensorial em que provadores humanos degustam a bebida.

Batizada de CoffeeClass, a tecnologia foi desenvolvida por pesquisadores da Embrapa Instrumentação (SP) e utiliza visão computacional e inteligência artificial (IA) para aferir a qualidade global diretamente no café torrado e moído. O desenvolvimento e a aplicação do sistema podem contribuir para execução de políticas públicas e normas criadas para o setor, além de aproximar o consumidor de sistemas de certificação de qualidade. O café movimenta uma das principais cadeias do agronegócio brasileiro, que gera uma receita de cerca de US$ 5 bilhões anuais para o País.

A solução tecnológica interpreta padrões em imagens ampliadas do café torrado e moído e correlaciona-os com sua qualidade global identificada na bebida. Para isso, emprega técnicas de imagens de reflectância e fluorescência, que usam luzes diferenciadas sob a amostra do café torrado e moído para evidenciar compostos ligados à qualidade da bebida.

No futuro, consumidor utilizará tecnologia no supermercado

A inteligência artificial embutida no sistema aprende a “olhar” a amostra, extrair padrões e predizer a classe de qualidade global do café em análise. A IA é uma área de pesquisa que reúne várias disciplinas e busca desenvolver métodos computacionais capazes de imitar habilidades cognitivas humanas, como aprendizado, lógica e otimização de processos.

Por enquanto, a ferramenta inteligente é um protótipo, mas já nasce com elevado potencial para provocar inovação na cadeia de valor do café. Acredita-se que, no futuro, o sistema poderá ser utilizado por produtores no próprio campo e até por consumidores nos supermercados.

O CoffeeClass será apresentado na Semana Internacional do Café, de 7 a 9 de novembro, durante a qual a Embrapa Instrumentação vai assinar um contrato de cooperação técnica com a Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC), visando melhorias na funcionalidade e desempenho no sistema. A assinatura vai ocorrer no dia 8, no centro de feiras Expominas, em Belo Horizonte (MG), sede do evento.

Computação inteligente para entender o café

A pesquisa com o CoffeeClass teve início em 2013 e foi desenvolvida pelo analista da Embrapa Ednaldo José Ferreira. O trabalho foi realizado no âmbito do Consórcio Pesquisa Café, criado em 1997 e que envolve cerca de 50 instituições de ensino, pesquisa e extensão rural, sob a coordenação da Embrapa Café. Ferreira conta que a pesquisa surgiu a partir de uma carência da cadeia que demandava uma ferramenta automatizada para a análise do cafezinho.

A proposta era gerar uma ferramenta automatizada para auxiliar o trabalho de provadores de café - especialistas em análise sensorial - e, assim, consolidar uma tecnologia especificamente voltada à certificação baseada na Qualidade Global (QG) do Programa de Qualidade do Café (PQC) da ABIC. A prova de conceito e o protótipo foram inicialmente pautados na classificação desse programa, mas, de acordo com Ferreira, a tecnologia pode ser adaptada a outros indicadores de qualidade do café.

A QG é a percepção conjunta de características, como aroma, sabor, corpo, acidez, adstringência, amargor, fragrância e outras que contribuem para a composição de uma nota global dentro de uma escala sensorial – 0 a 10 para o PQC da ABIC – usada como indicador da qualidade do produto. É realizada por uma equipe de especialistas treinados que usam como base do protocolo de análises o preparo padronizado de uma bebida de café, processo popularmente conhecido como “prova de xícara”.

O PQC, lançado em 2004, utiliza essa pontuação da QG para certificar o produto em três categorias: “Gourmet”, para cafés de altíssima qualidade; “Superior”, para cafés de qualidade relativamente alta e “Tradicional/Extraforte”, para cafés de qualidade recomendável e custo acessível.

Uma tecnologia fácil de ser usada

Doutor em Ciência da Computação e Matemática Computacional, Ferreira explica que foram testadas diversas ferramentas antes de se chegar ao CoffeeClass. “O foco da pesquisa sempre foi gerar um aparato simples e de baixo custo, que pudesse ser operado sem dificuldades, com comandos mínimos, por todos os atores da cadeia do café, na própria fazenda, antes de sair do campo, nos laboratórios, cooperativas, torrefadoras, supermercados, cafeterias, entre outros”, diz.

Ferreira recorreu à Ciência de Dados para realizar o estudo-piloto com 120 amostras de café torrado e moído, de várias regiões do País, já certificadas pelo PQC, que possibilitaram a geração de um banco com mais de 2.400 imagens digitais. “Identificamos o potencial e projetamos um módulo denominado de smart core (núcleo inteligente) baseado em um conjunto de métodos e técnicas de Inteligência Artificial que tem por objetivo aprimorar, automaticamente, o desempenho da análise”, explica.

Em testes de laboratório, a tecnologia identificou as categorias de café Gourmet, Superior, Tradicional e não recomendado com um percentual ligeiramente superior a 75% de acerto para amostras cegas.

O estudo envolveu microscópios digitais comerciais, de baixo custo, que usam diferentes LEDs (diodo emissor de luz, na sigla em inglês), como fonte de iluminação da amostra de um grama, aproximadamente, além de porta-amostra e software desenvolvidos pela Embrapa Instrumentação.

Ferreira explica que a interação de luzes distintas com a amostra de café produz padrões em imagens ampliadas por microscópios digitais, que permitem caracterizar o café. As luzes em comprimentos de onda distintos permitem detectar a composição do café, além de misturas com grãos de baixa qualidade (defeitos e outros), que interferem na qualidade global.

“As variações de coloração observáveis em imagens digitais ampliadas, adquiridas diretamente de uma amostra do café torrado e moído, revelam características intimamente ligadas à qualidade global do produto”, esclarece.

A ferramenta demonstrou potencial de acerto significativo nas análises em laboratório, no entanto, o líder do projeto acredita que é possível avançar mais e desenvolver outros indicadores para incrementar o CoffeeClass.

“O desafio agora é compreender as características reveladas pelo sistema inteligente e ampliar o horizonte de aplicação da tecnologia”, conta Ferreira. Para realizar essa nova etapa da pesquisa, ele diz que elaborou e submeteu um novo projeto ao programa Consórcio Pesquisa Café, com o qual pretende evoluir o estudo.

Na próxima fase, o trabalho vai unir diversas expertises oriundas de universidades, institutos de pesquisa, órgãos do governo, como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e seus laboratórios oficiais (Lanagros), além de outras entidades de histórica e reconhecida excelência de atuação na cadeia do café.

“Visando automatizar e modernizar essas análises, a Embrapa Instrumentação, com o apoio do Consórcio Pesquisa Café e a parceria com a ABIC, vai finalizar e lançar essa tecnologia, inédita no mundo. O CoffeeClass, sem dúvida, vai revolucionar a classificação da qualidade dos Cafés do Brasil, para que, cada vez mais, possamos consolidar e conquistar novos mercados”, afirma o chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Café, Lucas Tadeu Ferreira.

Empoderamento do setor

Para Karla Barros, barista de 24 anos que fez do hobby uma profissão, a nova tecnologia traz uma excelente oportunidade de empoderamento para o setor cafeeiro. “Acho que é uma ferramenta para ser usada até pelos agricultores para melhorar a produção no campo”, diz a especialista em café.

Engenharia civil, graduada no final de 2017 pela Universidade de São Paulo (USP, a barista se diz feliz com a nova profissão, iniciada há um ano, em um café bistrô em São Carlos (SP), após a realização de cursos em laboratórios de café, em São Paulo, capital.

“Somos capacitados teórica e tecnicamente para ser barista, que é um profissional especializado em preparar café de alta qualidade. Então, é bom saber que existe uma tecnologia capaz de analisar a qualidade da bebida que preparamos, das mais simples às mais elaboradas, de forma segura e rápida”, comenta.

Foto: Thiago César

Cooperação para aumentar a maturidade da tecnologia

A elevação do nível de maturidade tecnológica do CoffeeClass, visando a aproximação desse nicho mercado, está no radar da parceria com a ABIC, que já detém a expertise de certificação do PQC. A associação já certificou mais de 700 marcas no País.

Entre as ações previstas pela cooperação e que deverão ser executadas nos próximos 18 meses estão o projeto e o desenvolvimento de um novo sistema para armazenamento on-line de imagens e informações extraídas dos laudos de qualidade do PQC. Além disso, o pesquisador da Embrapa prevê que as amostras a serem providas pela ABIC viabilizarão a evolução tecnológica do CoffeeClass para representar melhor o universo da qualidade dos cafés brasileiros.

“O CoffeeClass é mais que um projeto de um equipamento. Ao abrir para o consumidor o conhecimento das características dos cafés, ele resolve um problema secular que é permitir que os consumidores percebam que os cafés não são todos iguais. Suas diferenças, desde a matéria-prima até a preparação da bebida, fazem a personalidade de cada café e permitem que o consumidor se identifique com o seu gosto e preferência”, avalia o diretor-executivo da ABIC, Natan Herszkowicz.

Segundo ele, o CoffeeClass vai desempenhar um papel fundamental na educação para o consumo. “Com ele as torrefadoras poderão definir exatamente o que vão oferecer, estabelecer e comprovar tecnicamente as diferenças entre seus produtos e os da concorrência, aumentando a transparência, tão importante na indústria de bebidas”, diz

“Acredito que o CoffeeClass vai influenciar positivamente o consumo de café. E vai colocar o Brasil na vanguarda da tecnologia aplicada à bebida”, conclui.

O tamanho do café brasileiro

Maior produtor e exportador de café, e segundo maior consumidor do mundo, o Brasil enviou a outros países, em 2017, mais de US$ 5 bilhões em grãos. A planta de origem africana gera o quinto produto na pauta de exportação do agronegócio brasileiro. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra estimada para este ano é de quase 60 milhões de sacas de 60 kg de café beneficiado. O produto brasileiro está presente em mais de 120 países do mundo.

Dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) apontam que, no período de janeiro a setembro de 2018, os Cafés do Brasil geraram US$ 3,536 bilhões de receita cambial, com 23,644 milhões de sacas de 60 kg exportadas. Esse volume é 7,3% superior ao registrado no mesmo período de 2017, que foi de 22,031 milhões de sacas.

De acordo com informações do Ministério da Agricultura, o setor cafeeiro ocupa uma área de dois milhões de hectares com cerca de 300 mil produtores, em cerca de 1.900 municípios, distribuídos em 11 estados: Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo, Bahia, Rondônia, Paraná, Rio de Janeiro, Goiás, Mato Grosso, Amazonas e Pará. A cadeia do café é responsável pela geração de mais de oito milhões de empregos no País.

 

Embrapa Instrumentação

Joana Silva (MTb 19.544/SP)

Edilson Fragalle (MTb 21.837/SP)

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